O legado de Luiza e Adriana

Eu não vou contar sobre tudo o que já saiu nos jornais. Falar das estatísticas, do número de mortos, do horror que foi o massacre de Realengo, na escola Municipal Tasso da Silveira, em 7 de abril de 2011. Essa história você já conhece e provavelmente tenha ouvido muito. Mas talvez, a história que você não teve a oportunidade de ouvir é a vivida na pele por Adriana Silveira, uma mulher vibrante e guerreira, e acima de tudo, a mãe de Luiza Paula da Silveira Machado, uma das vítimas da tragédia.

Se estivesse viva, Lu, Lulu ou Luquinha, como a mãe costumava chamá-la, teria completado ontem, 5 de setembro, 21 anos. O dia não passou em branco. Adriana jamais permite que seja assim, pois a filha era muito festeira. Em sua homenagem, na creche inaugurada em 2014 e que leva o nome de Luiza, foi feito ontem, um grafite com a imagem dela como um anjo.

 

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Ao ouvir o relato de Adriana sobre aquele dia, tudo o que ela passou, foi inevitável pensar como foi possível no passado e ainda é no presente suportar tamanha dor. Apesar de ainda não ser mãe, tenho a real dimensão do significado dessa palavra e nem posso imaginar a dor da perda de um filho. Mas se ao começar a conversa, eu ainda não tinha como entender tamanha força, a resposta veio aos poucos, em cada palavra de Adriana, ao longo de mais de três horas de entrevista, numa ponte entre Rio e São Paulo e na troca única que tivemos ali. A dor une e cria uma conexão com o outro. É assim que surge a compaixão. Me surpreendi com a beleza dessa troca. Enquanto Adriana falava de Luiza, eu falava do meu pai, e assim nos entendemos rapidamente, descobrindo que falar de quem já se foi é importante para manter a memória deles viva em nossos corações.

Posso dizer que foi e é em nome da memória de Luiza que Adriana conseguiu forças para seguir a vida e a partir da sua imensa perda, lutar contra o bullying e a falta de segurança nas escolas. Adriana levantou essa bandeira, porque essa tragédia jamais deve se repetir. Wellington Menezes de Oliveira, ex-aluno da escola foi o autor da chacina. Não se sabe a motivação para o crime, mas as investigações apontaram que Wellington sofria bullying. Obviamente que isso não justifica tamanha crueldade. Mas o meu propósito não é discorrer sobre os motivos que levaram Wellington a protagonizar tamanha barbárie e sim falar sobre Adriana. Mesmo com toda a dor e sofrimento provocados pela morte tão prematura da filha, aos 14 anos, Adriana viveu o luto e ajudou quem assim como ela, também precisava passar por ele. Ela passou a se reunir com todas as famílias das vítimas fatais e de feridos do massacre. “Surgiu uma necessidade de ficar junto, perto. Nós servíamos de muleta uns para os outros. Aí eu comecei a falar com elas que precisávamos fazer alguma coisa. Nós não vamos poder nos reunir só para chorar”.
Foi assim que nasceu a Associação das Famílias e Amigos dos Anjos de Realengo. “Naquele momento, eu nem sabia o que era uma Associação, mas eu só queria que o caso da minha filha não fosse apenas mais um e que a memória dela não morresse ali”. Em meio a tudo isso, logo após a morte da filha, Adriana ainda enfrentou o infarto do marido, dois dias após o massacre. E mesmo com a vida virada de cabeça para baixo, a necessidade de cuidar do marido e do irmão de Luiza, Carlos, na época com 16 anos, Adriana não parou. “Para que a morte dessas crianças não seja em vão, vamos ter que lutar para que em nome delas aconteça uma mudança”, me disse Adriana.

 


Mulher de atitude, Adriana segue a sua caminhada na incansável busca por essa mudança da sociedade. Ela transformou toda a dor e sofrimento em combustível para levar a mensagem de Luiza adiante, o seu legado de amor e paz, e para que ela jamais seja esquecida. “Eu tento dar continuidade à minha filha. Eu vou levar alegria para outras crianças em nome dela, fazer o bem em nome dela. As escolas continuam muito vulneráveis.”, diz.

Adriana dá palestras em escolas e fala sobre bullying e violência. Conta a sua história e procura promover a reflexão dos efeitos do bullying. Me contou emocionada do episódio, quando uma menina de apenas 5 anos chegou até ela numa palestra e teve a coragem de dizer como se sentia em relação aos maus tratos sofridos por parte de uma colega de classe. Mesmo com tão pouca idade, a menina já entendia os reflexos dessa violência em sua vida. A pequena disse que não tinha mais vontade de estudar, ir para a escola e isso comoveu Adriana. “Ali foi um divisor de águas. Foi o dia em que eu vi que podia fazer alguma coisa e que o meu trabalho tinha efeito”. Naquele momento, Adriana que já tinha um projeto de escrever um livro em homenagem à Luiza com foco no público adolescente, mudou completamente a história do livro e decidiu que a partir de sua obra, ela ia passar para os pequenos os seus valores humanos. Sentiu que deveria começar a fazer um trabalho de base com os menores. O livro “Meu anjo Luiza”, dedicado ao público infantil, foi lançado em outubro do ano passado. Adriana conseguiu fazer uma remessa de 2 mil livros e distribuir gratuitamente. Depois com patrocínio conseguiu distribuir mais. Quem se interessar pela causa pode até ajudar a fazer o livro chegar a outros lugares. Atualmente, Adriana também trabalha no projeto de um segundo livro, agora voltado para os adolescentes. “Eu me sinto útil levando amor ao próximo. Eles partiram e o legado está sendo cumprido. Nós devíamos isso a eles”, afirma.

Em memória às vítimas do massacre e motivado por essa tragédia, o dia 7 de abril foi instituído por lei no ano passado, como o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência na Escola. Adriana também defende que as escolas deveriam ter psicólogos. Ela também fala da criação de um serviço nacional de 0800 que pudesse atender crianças e jovens vítimas de bullying ou qualquer outro tipo de violência. “Isso é de grande necessidade, porque eles não falam. Tudo isso em memória da minha filha. Tudo o que eu faço é pensando nela. Eu não posso deixar esse massacre cair no esquecimento e na estatística”.
Há quase dois anos começou a vigorar a lei que estabeleceu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática com o objetivo de prevenir e combater a prática do bullying no país. Pela norma, bullying é considerado “todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas”.

Não vou aqui dissertar sobre os efeitos dessa lei. Não é meu objetivo e não tenho base para isso. O importante é sinalizar que infelizmente, essa prática violenta e que gera inúmeros desdobramentos,  não é algo superado. Para Adriana, é uma luta contínua e ela se deu conta disso num dos momentos mais difíceis do luto, quando pensou em quem foi Luiza e qual o legado que ela deixou. Foi aí que Adriana se lembrou que a filha tinha feito um trabalho sobre bullying na escola e explicou para Adriana do que se tratava. Nesse momento caiu a ficha do que ela precisava fazer. Luiza com tão pouca idade já sabia da importância dessa luta e Adriana, hoje, segue levando a mensagem de Luiza e que agora também é a sua mensagem.  “Eu sou a voz da Luiza. O amor que eu tenho pela minha filha venceu a morte”.

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18 Comentários

  1. nora

    Essas pessoas… esses relatos nos ajudam a ter força para querer lutar e não desistir por motivos infinitamente menores que esses! Maravilhoso!!! Obrigada ao site e a mãe de Luiza!!! Deus abençoe

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      Amém Nora querida! esse é realmente o propósito; fazer com que olhemos o próximo e também essa noção de que há problemas infinitamente menores pelos quais não deveríamos reclamar! beijo grande.

  2. Laura Crespo

    Tenho imenso orgulho de ser amiga da Adriana, que tem sido incansável na luta contra o bullying, a despeito da incomensurável dor do luto.

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      Laura, eu conheço a Adriana há tão pouco tempo e já sinto grande admiração por ela! Está aí uma mulher que merece todo o nosso respeito e consideração!

  3. Carlos Osório

    A missão da Adriana traz uma linda mensagem de força espiritual e perseverança em transformar a vida de pessoas. Diante de uma triste experiência soube aprender a viver sem sua mais linda rosa. A partir de palavras sempre carinhosas e brandas, nas oportunidades que a entrevistei e em outros momentos que ouvi seu depoimento, vejo o quanto somos medíocres em nossos pequenos problemas e o mundo lá fora girando. Adriana você é uma grande guerreira e traz lindas mensagens de Deus! Paz em seu coração, coragem e força para sua jornada. Precisamos de você!!!!! Beijos!

  4. Cristiane Gomes

    Só quem conviveu com Adriana (minha cunhada), meu irmão e meu sobrinho conhece o tamanho a dor que eles vivem até hoje, não só eles todos que amam a nossa Lulu. Cunhada sempre falo que vc é um exemplo de mulher e um ser humano maravilhoso que mediante a tanta dor tirou forças para lutar pelo próximo. Continue lutando pelo o que a nossa Lu defendia e que Deus lhe dê forças para continuar.

  5. Adriana Gribel

    Adriana, que bom que pessoas como você existem.

    Shi, obrigada por nos apresentar a Adriana e sua bandeira tão legítima.

  6. Márcia Noleto

    Perdi minha filha em 2011 e Adriana foi a primeira mãe que procurei para tentar entender o que eu estava sentindo. Fui recebida por uma mulher extraordinária. Aprendi muito com ela. Serei sua amiga para sempre. Sou grata. À ela minha devoção.

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      Márcia, a Adriana tem uma missão muito especial aqui… tenho certeza! Por isso que quis também deixar mais uma vez registrada a história dela. Que bom que você a encontrou e dessa conexão surgiu uma verdadeira amizade. Posso dizer que eu também ganhei uma amiga!

  7. Nathalia Rodrigues

    Adriana é um exemplo!!!!
    Eu sou mãe de gêmeos, meus meninos nasceram de 7 meses, e 1 deles não estava pronto, o pulmão não estava maduro, e ele ficou muito tempo em uma encubadora com um tubo de oxigênio, que impedia ele até de chorar, só peguei meu filho no colo depois de 1 mês, era tanto fio que mal conseguia segura-lo, eu chorava todos os dias, até conhecer a história da Adriana, a forma dela transformar a dor em luta me motivou e me mudou, “parei” de sofrer pra lutar pela vida do meu filho, depois de 3 longos meses, ele veio pra cada, e hoje já com 1 ano, vive cheio de saúde, todos os 2, graças a Deus, minha história é diferente, eu não tive a perda, e mesmo assim Adriana me ajudou demais com a história dela, inclusive foi ela que me mostrou esse site, que já está marcado nos meus favoritos, amei, não só a história dela, mais a sua também, QUE HISTÓRIA!!! Estão de parabéns, ganhou mais uma seguidora ❤️

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      Nathalia, sem dúvida a Adriana é um exemplo e não demorou nada para eu perceber isso assim que começamos a conversar! com todo o seu amor e luta, ela consegue mobilizar as pessoas e trazer conforto para tantos corações. Que bom que ela te ajudou e você também enfrentou uma história de superação! Aliás, o blog pretende contar várias delas… não só as de luto. Todas nós passamos por alguma história em algum momento. Também fico muito feliz de ter ganho uma seguidora para o blog! É feito com muito carinho e te agradeço por prestigiar! <3

  8. MARCO ANTÔNIO MARTINS PEREIRA

    ADMIRO MUITO A PERSEVERANÇA DE DONA ADRIANA,NASCE A CADA DIA,UMA PERSEVERANÇA QUE ELA ENCONTROU DE UMA TRAGÉDIA,MAS QUE NÃO PERMITIU DE MANEIRA,QUE FOSSE EXTRAÍDO O RENASCER CONSTANTE DE SUA FILHA LUÍZA PAULA,FAZENDO,ASSIM,QUE SUA FILHA ESTEJA SEMPRE PRESENTE EM NOSSOS CORAÇÕES

  9. Diego Pereira Affonso

    Bom,não sou muito bom com palavras e sim com atitudes ,como fiz quando fui em realengo homenagear as mães de realengo,mas conhecendo Adriana pessoalmente,vi a pessoa guerreira e abençoada que ela é, e lendo o que ela esta fazendo por outras crianças vejo que ela é iluminada ,eu sempre tive problemas familiares aqui em casa,mas quando conheci uma pessoa como Adriana lutando não se entregando a dor e sofrimento,passando por tribulações,e por coisas bem pior do que minha situação,e de situação de outras pessoas,agente começa a buscar forças pra viver esse exemplo que Adriana nos dar,com ela eu aprendi que podemos transformar a dor em harmonia e união,a tristeza em alegria ,a perturbação na paz,quando tenho problemas aqui,lembro dessa guerreira que é Adriana,e digo que tenho orgulho de me te tornado amigo dessa pessoa maravilhosa que é ela, Adriana por mais que seja grande a distancia,agradesço a Deus por ter lhe conhecido ,e obrigado a vc também por fazer parte da minha vida ,mesmo a distancia ,é lindo o que vc faz pelas crianças Deus te abençoe e te ilumine ,não só a senhora mas seu filho Carlos ha quem tive a honra de conhecer e a seu esposo,que Deus abençoe hoje e sempre,bjs fique com Deus.

  10. Cláudio Faria

    Simplesmente maravilhoso, a Luiza é hoje um espirito iluminado que zela por sua familia e amiogos, nada acabou com o seu desencarne apenas ela mudou de lugar como já o havia feito tantas vezes em todas as suas encarnações. Adriana e Luiza não se encontraram como mãe e filha nessa vida por acaso, já haviam se encontrado várias vezes em outras encarnações e isso criou laços tão fortes que se cruzaram nessa encarnação como mãe e filha para ambas evoluirem espiritualmente. A tragédia separou momentaneamente mãe e filha mas tudo se repetirá um dia numa nova era, num novo corpo e noutro lugar, porque a morte não destroi nada apenas separa por um breve momento duas almas que já se cruzaram antes mas que voltarão a estar juntas um dia.

  11. Adriana

    Meus queridos amigos obrigada pelas manifestações de carinho !!Muitas boas energias chegaram até mim graças as lindas mensagens que recebi de vcs ! Um abraço bem carinhoso
    e um beijinho em cada coração obg

  12. Jaime Lopes Soares Filho

    Prefiro fazer uma pergunta, porque quando da tragédia a mídia escrita e falada da uma repercussão extraordinária e após o acontecido cai no esqueci-mento; pergunto porque está mesma mídia não faz uma companhia para que este livro chegue a lugares mais distantes onde com certeza muitos casos semelhantes ficam no anonimato e na impunidade?

  13. Rose Vieira

    Conheci a história dos Anjos de Realengo quando ainda meu filho estava aqui comigo, Eduardo Oliveira, um policial civil comprometido com a sociedade e com o trabalho, estudioso e um rapaz voltado completamente para o bem. Casos assim como o que aconteceu em Realengo mexia com o Eduardo, casos com crianças, crimes contra a vida e principalmente contra crianças Eduardo ficava extremamente triste e comovido. Enfim, perdi meu filho para esta violência que assola nosso mundo e principalmente o nosso Estado do RJ em 2012. e fiquei amiga da Adriana por causa de nossas lutas, Adriana Mãe de Luiza é uma lutadora e guerreira e o trabalho dela é este nos apoiar e uma apoia a outra . Ao final eu sempre digo para ela que Luiza e Eduardo estão felizes por nós duas , não é facil o caminho é doloroso, mas Jesus nos leva em seu colo. Lembrando que lutamos contra a IMPUNIDADE e não é fácil.

  14. Marianne Prast

    Um grande exemplo de força, perseverança e consciência de sua missão. É inimaginável entender o que significa a perda de um filho e transformar a dor em luta é admirável e inspirador. Parabéns pelo seu trabalho Adriana e que cada vez mais você consiga transformar muitas vidas. Pode ter certeza que sua filhota está muito orgulhosa! Ao blog, obrigada por nos apresentar essa história que nos faz mais uma vez refletir sobre nosso papel. bj

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